11 de fev. de 2011

A cor do gato



O amigo Beni Borja nos presenteia com mais um artigo:

***

“Quem gosta de arte é banqueiro , artista gosta é de dinheiro”.

A frase, cujo autor desconheço, é obviamente um absurdo, já que para fazer arte é antes preciso apreciá-la.

Mas ela chama atenção para uma verdade fundamental sobre a atividade artística. Fazer dinheiro com a sua obra é um problema permanente do artista.

Parece ter se perdido de vista, nessa discussão recente sobre o direito autoral, a razão essencial da existência dessa precária construção jurídica: garantir o equilíbrio nos negócios entre criadores e os consumidores da sua criação.

É importante lembrar que não foram os direitos autorais que “inventaram” o comércio da criação artística. Negócios entre criadores e consumidores acontecem desde muito antes de existirem leis sobre isso. Os direitos autorais são apenas a garantia que o Estado oferece para os negócios privados de comércio da criação. Só isso.

Quando compramos um cacho de banana na feira não pensamos sobre as implicações legais desse gesto, porque nesse ato comercial simples as partes normalmente ficam relativamente satisfeitas com o negócio. Com ênfase no “relativamente”, já que em negócios não há nunca satisfação total possível.

Mas se as bananas estiverem estragadas, ou se a virmos um cacho semelhante por metade do preço em outra banca da feira, subitamente nos recordaremos dos direitos dos consumidores e de outras garantias legais.

Quando um negócio entre particulares dá certo, quando as partes saem da negociação com a sensação de que fizeram o melhor negócio possível, ninguém se lembra de recorrer à Justiça.

A lei e a Justiça só aparecem quando o negócio deu errado, quando alguém se sente injustiçado. Lembro de outra frase, essa do governante reformista chinês Deng-Xiao-Ping - “Não importa a cor do gato, o que importa é que ele pegue o rato”. O que importa na prática para o artista não é o direito que ele tem sobre a sua obra, o que importa finalmente é o “din-din” que vai bater na sua conta.

Muitos atores nessa pantomima querem vesti-la como uma questão de princípios. Como se houvesse alguma divergência fundamental em relação ao poder do artista sobre a sua obra entre o campo dos “modernautas” do Creative Commons e os “reacionários” do velho direito do autor.

Papo furado. A questão central de toda essa discussão é mesmo o velho e bom vil metal.

Observo que enquanto a classe musical está em pé-de-guerra sobre uma reforma dos direitos autorais, criadores de outras formas de arte raramente se manifestam sobre o tema.

Ocorre que nós músicos e compositores, estávamos descansando na praia, justamente na hora em que o tsunami digital chegou arrastando tudo. Então é natural que sentindo nos nossos bolsos os seus efeitos devastadores, sejamos os primeiros a chiar. Mas em breve, escritores e cineastas juntarão suas vozes a essa gritaria.

Mas todo esse barulho serve para muito pouco, enquanto ninguém souber qual é o negócio possível entre os criadores e os consumidores de obras reproduzíveis.

O problema é que o negócio de vender a arte que pode ser reproduzida está em fluxo , vivendo uma transformação acelerada que vai nos levar a algum lugar ainda desconhecido.

Esse é o “X” da questão. Porque as leis são criadas para estabelecer a equidade entre as partes em modalidades de negócio que já existem na realidade do mundo.

Voltando à feira. A lei obriga o feirante a aferir sua balança porque se vendem coisas a peso nas feiras. O “dever ser” da lei só existe porque a prática do mercado já definiu seus parâmetros.

E no momento não há parâmetros no mundo digital, porque o negócio que existia está sendo desmontado , e o novo negócio ainda não apareceu. Portanto discutir novas leis nesse momento é antes de tudo intempestivo.

Por outro lado, temos que convir que não será tentando manter a qualquer custo um modelo de negócio que faz água por todos os lados, que vamos conseguir melhorar o saldo bancário dos criadores.

Um pouco mais de pragmatismo comercial e um pouco menos de idealismo jurídico fariam muito bem a essa discussão.

Se os detentores de direitos autorais forem mais receptivos a idéias novas sobre como fazer dinheiro com as suas obras, e os “geeks” forem mais receptivos a idéia de que criadores têm contas para pagar como todo mundo, podemos acelerar muito o inevitável processo de tentativa e erro que levará ao aparecimento de um novo modelo de negócios para a criação artística.

Resumindo : Tem muito direito e pouco negócio nessa discussão. Quem gera dinheiro, que é o que anda faltando no bolso dos criadores, são os negócios, não os direitos.

Saudações Musicais,
Beni

Crédito da imagem: Gustave Doré, ilustração e uma fábula de La Fontaine, c.1868

10 de fev. de 2011

Multidão

Multidão from MULTIDAO on Vimeo.

9 de fev. de 2011

Técnicas de marketing direct-to-fan (video)

Vídeo longo, em inglês, mas interessante para os artistas e empresários 2.0:










De volta à atividade

Estivemos afastados do Música Líquida por um bom tempo, mas a polêmica a respeito de direitos autorais na rede anda explosiva e acho que temos bastante a dizer a esse respeito. Por isso a volta.

O primeiro texto já foi publicado no meu site esse semana por conta das opiniões do Caetano Veloso em sua coluna no O Globo. Acho que vale a pena a discussão:

Para Caetano Veloso não é mais proibido proibir

Tenho ficado perplexo com a coluna semanal do Caetano no O Globo. Especialmente por sua tradição de posições inovadoras e ousadas. Além de ser o grande artista que é. Foram duas crônicas falando sobre Direito Autoral de cima do muro. Linhas e mais linhas para dizer que não tinha uma posição sobre o assunto no que se refere à internet. Finalmente, esse domingo, resolveu tomar partido – não sem antes dizer que os dois lados tinham razão (como se tratasse de dois times e não de uma construção através do debate) – e saiu com essa pérola: “É porque acho que devemos respeitar os direitos autorais. Sem concessões. A internet que se vire. Ela e toda sua multidão de internautas em blogs e redes sociais que se vejam na situação de introjetar as leis da vida off-line, a nossa vida. Daqui de fora, podemos exigir.”

Resumindo: ele não entende nada sobre a internet. Primeiro porque, como ele mesmo admite, não está nela. Afinal ele quer exigir “de fora”. Se você não conhece sobre o que está falando, o provável é falar bobagem. Como essa história de que “a internet que se vire”. Ora, a internet não existe da mesma forma que uma empresa, com presidente e diretores. É um conjunto caótico e descentralizado de milhões de colaboradores sem nenhuma hierarquia. Ele teria que convencer cada um dos participantes a concordar com a tese de que as leis da vida off-line são aplicáveis ao mundo virtual. Como se os bits obedecessem às regras dos átomos. Assim é fácil resolver. Caetano não quer mais que a garotada baixe músicas sem pagar, nem veja vídeos que não estão liberados por seus autores. Ora, nem o ditador do Egito consegue controlar a internet.

Sejamos razoáveis. Para esse novo mundo precisamos de novas soluções. Bater o pé não vai adiantar nada. Se queremos receber dinheiro temos que oferecer algo que as pessoas queiram comprar. Baixar música na rede já está deixando de ser importante. E nunca resultou em receitas significativas. A garotada está migrando para o streaming, ouvindo e descobrindo música no YouTube. Mas tio Caetano não aprova. Então, garotada, vamos obedecer os mais velhos. Mesmo que esse mais velho já tenha dito um dia que “É Proibido Proibir”